Para a grande maioria dos brasileiros com acesso à saúde privada, o caminho para uma consulta médica não começa no hospital, mas na assinatura de um contrato de trabalho. O emprego formal com carteira assinada tornou-se a principal porta de entrada para a saúde suplementar, um elo que, à primeira vista, parece fortalecer a proteção do trabalhador.
No entanto, um mergulho nos dados revela uma realidade mais complexa: um sistema de dois pesos e duas medidas, sustentado por uma multidão de pequenos negócios e, ao mesmo tempo, dominado por um punhado de gigantes corporativos.
Um retrato de dois Brasis: a base larga e o topo estreito
Hoje, sete em cada dez beneficiários de planos de saúde no país estão vinculados a um contrato empresarial. Mas quem são as empresas que sustentam esses 37 milhões de vidas? A resposta revela um paradoxo.
A esmagadora maioria dos contratantes (mais de 95%) é formada por micro e pequenas empresas, como padarias, salões de beleza e comércios locais, que oferecem o benefício a equipes de até 19 funcionários. Elas representam a capilaridade do sistema, levando a saúde suplementar para o dia a dia da economia real.
Contudo, o potencial assistencial está em outro lugar. No topo dessa pirâmide, um grupo seleto de apenas 0,1% das empresas, formado por grandes corporações como bancos, indústrias e redes de varejo, concentra impressionantes 40,7% de todos os beneficiários.
Essa estrutura cria uma dinâmica de alta dependência: enquanto a base de pequenos negócios garante a pulverização do benefício, a estabilidade de todo o sistema repousa sobre os ombros de poucas e gigantescas empregadoras.
O peso do crachá: onde você trabalha determina sua cobertura
A força desse elo entre emprego e saúde não é a mesma em todos os balcões e linhas de produção. O setor de atividade econômica de uma empresa é um fator decisivo para a qualidade e abrangência do plano de saúde oferecido.
A Indústria, por exemplo, se destaca como o setor onde o benefício é mais robusto. Com uma taxa de 107 beneficiários para cada 100 empregos formais, fica claro que a prática é oferecer planos que se estendem aos dependentes, garantindo uma proteção familiar completa. É um segmento onde o plano de saúde é parte consolidada do pacote de remuneração.
Em contrapartida, nos setores de Comércio e Serviços, que abrigam a maior parte das pequenas empresas, a realidade é outra. O Comércio, por exemplo, registra uma taxa de cobertura de apenas 55 beneficiários para cada 100 empregos. Isso sugere que os planos oferecidos são, muitas vezes, mais restritos, cobrindo apenas o titular e deixando os familiares de fora.
Já em áreas como a Agropecuária e a Construção Civil, a cobertura é ainda mais escassa, refletindo os desafios da sazonalidade e da alta rotatividade de mão de obra.
As bordas do sistema: quem fica de fora?
O fortalecimento do modelo empresarial tem uma consequência direta: o enfraquecimento das alternativas. Os planos individuais e familiares, única opção para autônomos, informais e aposentados, seguem em uma trajetória de encolhimento, tornando o acesso à saúde privada quase um privilégio de quem tem carteira assinada.
Essa dependência do emprego formal cria uma vulnerabilidade latente. Em um cenário de instabilidade econômica, a perda do emprego significa, para milhões de famílias, a perda imediata do acesso à rede de saúde.
Além disso, a histórica concentração de serviços e empregos na região Sudeste perpetua uma desigualdade geográfica: o “elo estratégico” é muito mais forte em São Paulo ou no Rio de Janeiro do que no Norte ou Nordeste do país.
Um equilíbrio delicado e os desafios do futuro
A fotografia do setor mostra um sistema complexo, cuja resiliência depende de um equilíbrio delicado. De um lado, a permanência de milhões de pequenos contratos, sensíveis a custos e crises. Do outro, a estabilidade dos grandes contratos corporativos, que garantem o volume e a sustentabilidade do mercado.
O futuro da saúde suplementar no Brasil está intrinsecamente ligado ao futuro do trabalho. Para as operadoras e reguladores, o desafio é duplo. Primeiro, criar produtos flexíveis e acessíveis que mantenham as pequenas empresas no sistema.
Segundo, e talvez mais urgente, é preciso pensar em soluções inovadoras para incluir os milhões de brasileiros que hoje estão à margem: os trabalhadores informais, os autônomos e os aposentados que, ao deixarem o mercado de trabalho, perdem um pilar fundamental de sua segurança e bem-estar.
O elo com o emprego formal é vital, mas um sistema verdadeiramente robusto precisará construir novas pontes.
Referências:
MINAMI, Bruno. Estrutura e dinâmica dos contratantes de planos coletivos empresariais no Brasil em 2024. São Paulo: Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, 2025. (Texto para Discussão, n. 111).
PLANOS de saúde são mais frequentes no Sudeste brasileiro. Agência Brasil, 2 jun. 2015. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-06/planos-de-saude-sao-mais-frequentes-no-sudeste-brasileiro. Acesso em: 1 out. 2025.
REGIÃO Sudeste concentra o maior número de beneficiários de planos de saúde. Panorama Anahp, 16 abr. 2015. Disponível em: https://www.anahp.com.br/noticias/regiao-sudeste-concentra-o-maior-numero-de-beneficiarios-de-planos-de-saude/. Acesso em: 1 out. 2025.